Fernando de Almeida de Santos recebe a medalha Frederico Herrmann Júnior
Honraria é concedida pelo Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo (...
“Vivi por mais de três anos na Alemanha dividida. Era diário o exercício de caças americanos do lado de cá da fronteira com a Alemanha Oriental e de caças soviéticos do outro lado. Estouros nos vidros das salas de aula, com a passagem dos aviões de guerra, causavam angústia e um susto muito maior em mim do que nos que estavam acostumados com a situação.”
Quando a gente parecia estar de boa com a Covid, quando as restrições e as novas obrigações já não incomodavam tanto, estoura uma guerra lá longe e o bombardeio midiático, televisivo, radiofônico e internético volta a nos cercar e retomamos aquela angústia e incerteza de março de 2020.
Claro que a minha guerra é diferente da guerra de um ucraniano. Também é diferente da de um soldado russo obrigado a ir para uma frente de batalha que, provavelmente, não lhe diz muita coisa. Os níveis de sofrimento são diferentes; logo, as consequências também.
Para os diretamente envolvidos, o transtorno do estresse pós-traumático é a patologia clássica dos soldados que voltam das batalhas. Também as sequelas neuropsíquicas dos feridos, os transtornos ansiosos e depressivos dos familiares dos soldados e os quadros de luto dos que perderam parentes são as situações mais prevalentes.
E para a enorme maioria de nós, brasileiros, que nos encontramos a mais de 10.000 km de Kiev, o que sobra? Aqui, mais uma vez, a comparação com a pandemia de Covid não é despropositada. Poucos de nós vivemos uma guerra mundial. Uma parte significativa viveu uma ditadura, ações terroristas, crises econômicas, governos ruins, vários papas, corrupção endêmica. Sobrevivemos a isso.
Estamos sobrevivendo a uma pandemia que começou lá do outro lado do mundo e nos atingiu em cheio, parte por causa de desgovernos. Aqui, em termos de saúde mental, existe uma diferença grande entre os infectados, com suas sequelas neuropsiquiátricas da Covid, os familiares dos que faleceram e a população em geral. Houve um aumento significativo na prevalência dos transtornos mentais entre os diretamente envolvidos com a Covid – infectados e familiares –, mas, aparentemente, esse aumento não aconteceu para a população em geral. O mundo ficou mais ansioso, mais triste, mais chato quiçá, mas não mais doente para os não diretamente envolvidos.
Com a guerra, pelo menos do jeito que ela está configurada no momento, deve acontecer a mesma coisa. O bombardeio que sofremos no nosso cotidiano é de imagens fortes, de notícias ansiogênicas, de fake news, de versões antagônicas para os mesmos fatos. Uma intensa briga pela verdadeira versão dos fatos.
E nos angustiamos ao imaginar como a coisa pode evoluir. A angústia que nos assola quando exercícios militares com armas atômicas estão em curso dos dois lados, quando imaginamos as consequências que o escalonamento trará, inevitavelmente, na nossa rotina. Quem de nós cresceu com isso?
Vivi mais de três anos na Alemanha dividida. Era diário o exercício de caças americanos do lado de cá da fronteira com a Alemanha Oriental e de caças soviéticos do outro lado. Estouros nos vidros das salas de aula, com a passagem dos aviões de guerra, causavam angústia e um susto muito maior em mim do que nos que estavam acostumados com a situação.
Mais uma vez, o mundo está mais ansioso e, eventualmente, mais triste, nessas últimas duas semanas. Ainda não está mais doente. Quando compartilhamos uma situação negativa, angústias, tristezas, raivas, inconformismos, revoltas, esperanças, somos partícipes da mudança de ânimo do nosso meio. E isso configura o que se considera o normal estatístico. Chata a situação? Chata, mas normal. Estou ansioso com a evolução da coisa? Sim, mas não extrapolo a média.
Que fazer? Seria ótimo se houvesse uma solução que atenuasse o sofrimento de todos, fora a do fim do conflito. Aqui, entram as individualidades: não economize nas atitudes que sempre ajudaram a você nestes momentos ansiosos. Conversas positivas com pessoas queridas (evite carregar ainda mais nas tintas), relaxamentos, exercícios, uma leitura agradável, meditação, um passeio seguro (a Covid ainda está por aí!), música, orações.
Evite a overdose de noticiários; fuja das pessoas muito estressadas; não saia da sua média de álcool (ou saia, se ela não é saudável), lembrando que o álcool tem um efeito paradoxal no nosso organismo: após uma primeira ação euforizante, o efeito final é o de um depressor do nosso sistema nervoso, e coisas que nos deprimem não faltam neste momento.
Use com generosidade as suas armas conhecidas e saudáveis, ajude a não aumentar o sofrimento de todos, transmita aos seus próximos as suas experiências de sucesso em situações adversas. E torça muito, como eu, para que esse bando de dirigentes consiga resolver as suas diferenças em torno de uma mesa, não brincando com artefatos nucleares.