Pesquisadores do Laboratório de Bioquímica e Tecnologias Bioluminescentes da UFSCar, em parceria com a Universidade de Bolonha (Itália) e o Laboratório de Biomateriais da PUC-SP, desenvolveram um novo uso para a luciferase — enzima responsável pela luz dos vagalumes — com potencial aplicação na área da saúde. O estudo foi premiado na 54ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular (SBBq).”
A substância estudada pode atuar como gene repórter (também conhecido como marcador) e sensor de pH intracelular luminescente, auxiliando em testes de medicamentos e na identificação de doenças, incluindo as oncológicas. A UFSCar, detentora da patente desta descoberta pioneira mundial, busca atualmente parceiros comerciais interessados no licenciamento da tecnologia.
Trajetória da pesquisa
A pesquisa com luciferase e seu uso no desenvolvimento de sensores de pH faz parte de uma longa linha de investigação iniciada pelo professor-doutor Vadim Viviani no início da década de 2000.
Anos mais tarde, em 2011, juntamente aos pesquisadores Danilo Amaral, Rogilene Prado e Frederico Arnoldi, ele conseguiu clonar uma enzima no Laboratório de Bioquímica e Tecnologias Bioluminescentes da UFSCar. A enzima foi adicionada ao banco de luciferases clonadas no laboratório. A eficácia do uso como sensor de pH em bactérias foi confirmada em 2014.
Desafio técnico
O principal obstáculo era que outra luciferase testada para este propósito emitia luz avermelhada a 37° C em células de mamíferos. “Mudanças de pH nestas células alteravam minimamente a cor da luz, diminuindo sua resolução e aplicabilidade para a finalidade que pretendíamos”, explica Vanessa Rezende Bevilaqua, bióloga com doutorado em Genética Evolutiva e Biologia Molecular.
Avanço decisivo
Integrante da equipe de pesquisa do professor Viviani como doutoranda desde 2015, em 2019 Bevilaqua, participou de uma pesquisa na UFSCar na qual se descobriu que a luciferase do vagalume Amydetes apresentava propriedades superiores como sensor de pH em altas temperaturas, emitindo luz mais esverdeada e com alta intensidade de bioluminescência.
Parceria entre instituições
Em 2021, Bevilaqua iniciou colaboração com a professora-doutora Eliana Duek, coordenadora do Laboratório de Biomateriais e Medicina Regenerativa da FCMS/PUC-SP. “A professora Duek é uma autoridade na área de biomateriais e seu laboratório da PUC-SP oferece, dentre vários equipamentos e técnicas, condições específicas para a cultura de células, permitindo alcançar o objetivo de usar a luciferase em células de mamíferos”, conta.
Com bolsa da Fapesp, Bevilaqua iniciou seu pós-doutorado na PUC-SP com o projeto “Aplicação da bioluminescência para rastreamento de células e processos inflamatórios”. Ela relembra: “Em 2022, iniciei testes com quatro luciferases distintas de vagalumes, clonadas e disponíveis no Laboratório do professor Viviani, na UFSCar, em células de mamíferos”. Seu objetivo era verificar qual dessas enzimas se comportaria como melhor sensor de pH em células de mamíferos. “Demonstramos neste trabalho que a luciferase de Amydetes é, de fato, a melhor opção para iluminar células de mamíferos e mudanças de pH”, pontua.
No Laboratório da PUC-SP, foi possível realizar os testes dessas luciferases nas células. “A parte de engenharia genética, de modificação do gene e inserção nas células foi realizada no Laboratório da UFSCar”, complementa Bevilaqua, mostrando a importância da parceria entre as universidades.
Aplicações práticas
“Este trabalho abre a perspectiva de testar novos medicamentos e observar como eles afetam o pH dentro das células, especialmente as cancerígenas. Quando uma célula está sob estresse devido à ação de um medicamento, seu pH se altera. Nossa técnica permite visualizar essas alterações em tempo real”, explica.