Prazer sob demanda: o mercado bilionário que molda seu humor

por Redação | 08/09/2025

Felicidade virou estratégia de marketing. Basta olhar em volta: de barrinhas energéticas a apps de meditação, passando por refrigerantes, redes sociais e suplementos – tudo vem com slogans como “cuide de si”, “viva melhor” ou “encontre sua melhor versão”. São mensagens que soam como autocuidado, mas vendem estímulo puro.

Segundo um número crescente de especialistas, essa promessa é enganosa e pode até mesmo ser perigosa. “A ideia de que a felicidade pode ser entregue por um produto é ilusória. Ela representa uma confusão que tem custado caro à saúde mental das pessoas: a de que prazer e felicidade são a mesma coisa. Não são”, afirma o psiquiatra e professor-doutor Jorge Henna, coordenador do curso de Medicina da PUC-SP.

A crítica recai sobre três dos setores mais poderosos do planeta: Big Food, Big Tech e Big Pharma. Ao moldarem hábitos e comportamentos em escala global, acabam reforçando um ciclo de gratificação contínua e bem-estar escasso. Juntas, essas indústrias movimentaram mais de US$ 13 trilhões em 2024 – uma engrenagem econômica colossal que influencia políticas públicas, consumo e, cada vez mais, o próprio equilíbrio químico do nosso humor.

Dopamina x serotonina

A base científica do problema está no cérebro – mais especificamente, em duas moléculas que regulam como nos sentimos: a dopamina, responsável por nos fazer perseguir recompensas, e a serotonina, associada à sensação de bem-estar duradouro e estabilidade emocional.

Embora ambas sejam sintetizadas por vias diferentes, elas compartilham precursores que competem por transporte até o cérebro. Dietas e comportamentos que favorecem excessivamente a produção de dopamina (como, por exemplo, o consumo contínuo de estímulos rápidos) podem reduzir a disponibilidade de matéria-prima para a serotonina. “O resultado é um sistema que prioriza o prazer imediato e sacrifica o bem-estar sustentado”, pontua o psiquiatra.

“Estamos vivendo uma epidemia de excesso de dopamina e escassez de serotonina. Isso se reflete nos índices crescentes de ansiedade, depressão e apatia generalizada”, completa.

Felicidade instantânea

No livro The Hacking of the American Mind, o endocrinologista Robert Lustig vai mais longe: ele afirma que essas três indústrias deliberadamente confundem prazer com felicidade para manipular consumidores.

A Big Food investe bilhões em formulações hipersaborosas. São combinações de açúcar, sal e gorduras calibradas para maximizar a liberação de dopamina. A Big Tech, por sua vez, oferece loops infinitos de recompensa projetados para viciar o usuário em notificações e rolagem sem fim.

Já a Big Pharma, embora essencial no tratamento de distúrbios mentais reais, também se beneficia da epidemia de infelicidade. Conforme dados da Global Market Insights, em 2024, a indústria global de antidepressivos foi estimada em torno de US$ 19 bilhões. E esta cifra cresce ainda mais quando considerada a expansão no uso de ansiolíticos.

Exaustão emocional

Esse ciclo se torna um obstáculo, inclusive, à produtividade e autodisciplina. Estudos mostram que a motivação para agir – seja estudar, trabalhar ou empreender – exige um mínimo de estabilidade emocional. Sem serotonina suficiente, a sensação é de que nada vale a pena.

O problema se agrava porque o caminho da serotonina não é imediato, nem viciante. Ela vem de fatores como sono de qualidade, alimentação balanceada, exposição ao sol, vínculos afetivos e propósito pessoal – tudo o que a cultura do consumo excessivo tende a negligenciar.

Como sair dessa?

Além de manter hábitos básicos, como alimentação equilibrada e prática regular de atividade física, Henna recomenda limitar o tempo de exposição às telas, especialmente à noite. O uso de bloqueadores de aplicativos e a definição de horários restritos podem ajudar a proteger o sono e a saúde mental.

Outra prática, muitas vezes subestimada, é reaprender a conviver com o tédio. Segundo o psiquiatra, ele funciona como “terreno fértil da criatividade e da autorregulação”.

A lógica pode parecer simples, mas tem base sólida na neuroquímica. “A felicidade não está no que se consome, mas no que se constrói com consistência”, afirma Henna. “E o primeiro passo é entender que o prazer, sozinho, não sustenta ninguém por muito tempo.”

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