Estudo revela como morcegos resistem ao câncer e abre caminho para possíveis novas terapias
Pesquisa da Universidade de Rochester descobre paradoxo surpreendente: células de morcego são facilmente transformadas em laboratório, mas os animais raramente desenvolvem tumores na natureza
Morcegos despertam fascínio não apenas por sua habilidade de voar, mas também pela surpreendente resistência ao câncer. Um estudo recentemente publicado na revista Nature Communications, elaborado por pesquisadores da Universidade de Rochester, revelou que quatro espécies desenvolveram adaptações biológicas únicas que as tornam praticamente imunes à doença.
Paradoxo
O achado central desafia décadas de conhecimento sobre resistência ao câncer. O paradoxo é intrigante: células de morcego podem ser facilmente transformadas em cancerosas no laboratório com apenas duas mutações genéticas, porém, os animais raramente desenvolvem tumores na natureza.
O professor-doutor Luís Pires, oncologista, docente da Faculdade de Medicina da PUC-SP e coordenador da Residência Médica em Oncologia Clínica da instituição, explica que, enquanto células humanas precisam de cinco ou seis mutações específicas para se tornarem cancerosas, camundongos necessitam apenas de duas.
“Animais longevos geralmente têm sistemas de segurança mais sofisticados: castores precisam de cinco ‘hits’ genéticos, ratos-toupeira-pelados precisam de quatro. A expectativa era que morcegos, sendo excepcionalmente longevos – algumas espécies vivem mais de 30 anos –, precisariam de muitas mutações. Mas apenas duas foram suficientes”, destaca.
Genética
O primeiro achado essencial está no gene TP53, conhecido como “guardião do genoma”. “Enquanto humanos possuem duas cópias desse gene, os morcegos estudados chegaram a ter até sete cópias – duplicações que ampliam drasticamente a produção da proteína p53, capaz de detectar danos no DNA e ativar a autodestruição apenas das células potencialmente perigosas”, afirma Luís Pires.
A atividade da proteína p53 em morcegos é até quatro vezes maior que em humanos. “É como ter vários alarmes de incêndio em casa em vez de apenas um. Qualquer pequeno problema será detectado imediatamente”, compara o professor.
Futuro
As descobertas têm grande potencial para o tratamento do câncer. Segundo os pesquisadores, entender e replicar estratégias biológicas dos morcegos – como modulações seguras do TP53, otimização da vigilância imunológica e redução da inflamação – pode levar ao desenvolvimento de novas terapias.
Próximo passo
O próximo objetivo dos pesquisadores é estudar se essas adaptações podem ser aplicadas aos humanos, ativando defesas naturais e reduzindo significativamente a incidência de tumores no futuro.
"Cada nova descoberta sobre os morcegos pode nos aproximar de uma era em que o envelhecimento saudável e a resistência ao câncer não sejam mais sonhos distantes, mas realidades alcançáveis", conclui Luís Pires.
A pesquisa representa uma mudança fundamental em como pensamos sobre resistência ao câncer, oferecendo esperança para futuras terapias que podem revolucionar o tratamento de uma das doenças mais desafiadoras da humanidade.