Historiadora ex-aluna da PUC-SP ensina ballet na periferia da capital

Imigrante chilena leva dança e arte-educação para crianças no Jardim São Luiz, local onde cresceu

por Cláudio Oliveira | 30/08/2022

Aos seis anos de idade Luana Melinka Cárcamo Aranda imigrou, junto à família, de Santiago, capital chilena, para São Paulo. Na nova cidade passou a frequentar aulas de ballet e jazz, numa associação onde sua avó trabalhava como voluntária, na zona Sul da capital.

Historiadora formada pela PUC-SP, a hoje jovem Luana leva dança e arte-educação ao mesmo Jardim São Luiz, onde viu e viveu de perto a dificuldade que a população da periferia da Capital tem para acessar equipamentos de cultura.

 

Conheça a seguir a experiência da jovem, com a arte e com a PUC-SP, onde foi bolsista ProUni e se formou em 2021

“Minha adolescência no Jardim São Luiz, extremo sul da cidade, foi marcada pelas dificuldades impostas a quem mora na periferia como, por exemplo, acessar aparelhos de cultura e lazer.

Ao fim do ensino médio me sentia deprimida e não pensava em cursar faculdade. Ainda assim, por insistência da minha mãe, prestei o Enem e fui muito bem. Quando me inscrevi no ProUni não sabia que poderia estudar na PUC-SP, mas ao ter ciência de que minha colocação me dava oportunidade de cursar História com 100% de bolsa, não pensei duas vezes e entrei de cabeça.

No início, minha vida acadêmica não foi nada animadora. Era muito difícil. Me sentia atrasada em relação ao conteúdo, meu ensino médio foi completamente precário, e eu comecei o ano letivo muito depois dos outros, por conta de burocracias. O ambiente era elitizado e a maioria das pessoas com quem passei a conviver tinha um conceito equivocado sobre o que é morar na periferia.

Mas fui superando os desafios e me sentindo adaptada, aos poucos. Também houve professores e colegas muito compreensivos, acolhedores e que sempre estavam abertos aos desabafos e apontamentos. Tive diálogo aberto com docentes que hoje se tornaram meus amigos e que sempre fizeram de tudo para me ajudar (leia abaixo depoimento). A possibilidade de fazer disciplinas optativas disciplinas em outros cursos oferecidos pela Universidade também me ajudou muito.

Passei a vivenciar experiências que seriam marcantes na minha formação. Tive a oportunidade de participar de diversos eventos acadêmicos como a competição musical universitária da Redbull (RedBull BreakTime Sessions), o 28° Encontro de Iniciação Científica, a XVII Semana de História (na organização) e até mesmo fazer grafite nas dependências da universidade, entre tantas outras coisas legais. Foi surreal. A PUC-SP me deu a base técnica que eu precisava para me sentir capaz de poder ir atrás de todo o conhecimento que está disponível a nós, mas que nos é tirado pelas barreiras sociais, burocráticas e afins.

Foi então que, em plena pandemia de Covid-19, eu vivia a correria final do curso e, ao me desligar de um trabalho, concluí que era hora de investir no sonho de levar ballet para periferia. Foi lá que eu cresci e desenvolvi a consciência social que me levou à universidade. Cantora, grafiteira, skatista, bailarina e historiadora, incluí então no meu currículo os títulos de educadora e empreendedora social, ao criar no Jardim São Luiz, a Cia de Dança e Cultura Livre.

Atualmente, com pouco mais de um ano de existência a cia Livre atende cerca de 70 crianças de 3 a 13 anos, num galpão do bairro. O projeto é financiado por mim mesma (também leciono História em uma escola particular), e pela contribuição das alunas, seja com um valor simbólico ou com o que podem colaborar, até mesmo com materiais de limpeza e alimentação.

Porém, manter um projeto deste porte em uma região periférica exige mais que uma estrutura física e ambiental. Como a maioria dos responsáveis (pais, cuidadores etc.) das crianças trabalha, eu organizo encontros para que todas possam ir em grupo às aulas, de maneira mais segura. Do ponto de encontro ao galpão, as alunas chegam a caminhar por cerca 25 minutos, e o trajeto torna-se mais uma forma de convívio e aprendizado.

A aceitação ao trabalho da cia. de dança foi enorme, desde o início. A primeira aula atraiu mais crianças que o esperado. Para atender a demanda, passei a dar aulas em outras duas associações culturais da região, a Monte Azul e Santa Cecília, ambas no distrito do Jardim São Luiz, ampliando ainda mais o alcance da ação.

Quando comecei a Universidade já estava inserida no universo do ballet. Era uma rotina muito cansativa de estudos e escola de dança. Através da graduação em História consegui entender muito mais sobre o contexto todo da arte.  Algumas pessoas diziam que eu tinha que ser uma coisa, mas eu nunca concordei com isso. Queria ser tudo, queria levar a dança para quem aceitasse meu jeito, minha multidisciplinaridade e meus flertes de história, arte de rua, dança, criatividade e espírito de mudança”.

 

Depoimento do prof. Fernando Londoño

Luana chegou ao curso de História da PUC com um leque de experiências muito rico para sua idade: grafiteira, skatista, fluente em espanhol, feminista, praticante de ballet desde criança, num contexto periférico onde isto não é muito comum. Uma menina de vivacidade encantadora e desenvoltura que graças ao ProUni “atravessou a ponte” e veio a estudar em Perdizes. Como a maioria dos pronuistas do curso de História, logo mostrou que iria aproveitar, e muito, a oportunidade que o programa lhe estava abrindo.

O contato desde o primeiro semestre com autores que questionavam a história como produção de conhecimento e faziam histórias de grupos sociais que “não teriam história”, a presença dos povos de África e América no curso, passaram a dar conteúdo às perguntas que Luana trazia. A dinâmica de reflexão e debate nas aulas fizeram que as indagações e os interesses dela se ampliaram e ganharam consistência. 

Houve um semestre que só tínhamos alunas monitoras e na preparação do curso elas sugeriram que fizéssemos dentro do programa da disciplina, um bloco dedicado as mulheres na história da América e que, sob minha supervisão, elas assumiriam os seminários da atividade. Quando as vi correndo atrás de bibliografia teórica e sugerindo autoras que eu não conhecia, percebi o quanto elas estavam crescendo em suas formações e aproveitando a liberdade de pensamento que a universidade lhes estava proporcionando.

Isto ficou mais evidente nos debates dos seminários onde elas questionaram tanto minha disciplina como o próprio curso pelos silêncios em relação as mulheres. Nessa autonomia sustentada no estudo e no rigor, além de sua preocupação pela vida “além das aulas”, vi a marca que a PUC-SP estava deixando nelas e que lhes permitia encarar empreitadas audazes e generosa como essa da Luana e as aulas de dança no Jardim São Luiz.

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